sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Não, camarada Stalin! Não funciona.



Poderíamos simplesmente deletar nossos maus momentos?
E quem sabe, eternizar os bons?

Stalin deletava das fotos aqueles que se tornavam desafetos. Foi assim com Trotsky. Outrora queridinho do establishment, caiu em desgraça em uma disputa interna do partido em que o Stalinismo venceu. Tornou-se persona non grata, banido, perseguido no exílio e finalmente assassinado no México. E como se não bastasse, apagado das fotografias oficiais. Assim foi também com Nikolai Yezhov, o anão sanguinário, chefe da polícia secreta.

As autoridades soviéticas, acreditavam que podiam reescrever o passado, apagando algumas figuras que expurgavam da história e tomavam medidas que incluíam a falsificação e adulteração de imagens, destruindo filmes e em casos mais extremos, matando famílias inteiras.


Bem, afora os gulags, o exílio na Sibéria, as execuções, essa limpeza das fotos  tinha lá sua sabedoria. É fato que Stalin não deve servir de exemplo para quase nada nessa vida, exceto seu gosto por ler grandes autores - a despeito de ter enviado vários deles para a Sibéria. Mas isso na Rússia nem é mérito porque o país sempre foi o berçário do que há de melhor na literatura mundial. Senão, como poderia  um mesmo país oferecer ao mundo Dostoiévski, Tolstoi, Boris Pasternak  para citar só três? 


Vamos voltar ao nosso eu singelo: e se pudéssemos deletar das fotografias de nossas vidas as presenças e as memórias que se tornaram incômodas?
E se pudéssemos silenciar as palavras que não deveriam ter sido ditas; parar o tempo  justamente no momento daquele ato que hoje reprovamos, e evitá-lo; apagar as palavras mal escritas e quem sabe não ouvir as mal faladas?
E se talvez seguindo essa mesma lógica pudéssemos também eternizar os momentos inesquecíveis de nossas vidas?

Não, camarada Stalin. Não funciona. Vamos pensar em outra coisa.



                                                                 Stalin e Yezhov
                                                                Stalin sem Yezhov...

A Décima Musa






Eu perdi o juízo
Culpa dos teus cabelos 'negros como a asa da graúna'
De tua boca singela murmurando tolas tagarelas
À beira do mar

Não me reconheço, desejando te amar
Quando dei por mim te beijava
Sem medo e sem pressa
À beira do mar

Qual Safo me enrosquei em ti
Isso não quero apagar
Todo o meu juízo perdi
À beira do mar.






sábado, 23 de novembro de 2013

Bem-te-vi



Com os primeiros clarões do dia
Vem uma doce sensação:
É quando piam os pássaros
E meu gato quer companhia;
O cão do vizinho ladra
Ouço passos na calçada
Alguém andando à toa
Vem uma doce alegria
Vontade de ler Pessoa
A rua ainda está vazia
A brisa da madrugada
Da noite foi o que restou

Retruca um bem-te-vi:
É muito cedo ainda
Seu tempo não acabou...

                             Aparecida Duque - 11/2013




quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Sara e o Professor de Biologia

Sara tomou uma importante decisão: hoje, definitivamente, direi ao Professor Fallieri que estou apaixonada.

Fallieri era o professor de Biologia do colegial. Para o padrão da moçada, não era ele exatamente um modelo sedutor: tirando os olhos claros escondidos atrás de grossas lentes, nada nele parecia muito atraente. Menos para Sara, cujo coração disparava desde as primeiras horas do dia, nas terças e quintas, quando tinha aulas com ele.  

Há muito  que o amava em silêncio obsequioso. Por vários motivos, sabia  que seu professor de Biologia também lhe dedicava especial atenção. 

A caminho da escola, Sara pensava consigo mesma e planejava incansavelmente como declararia o seu amor. De certa forma estava segura. " Acho que ele também está apaixonado por mim. Dá aulas olhando para mim. Magnetizava toda a turma quando falava e falava sobre  DNA e RNA mas era como se somente eu estivesse na sala. Ele olhava para mim enquanto explicava. E tem mais: já elogiou meu perfume. Achou suave. 

E teve aquela vez que ele comentou comigo que publicara em importante jornal americano, seu estudo sobre o Ácido Ribonucleico, o menosprezado RNA. Me interessei  de pronto, como faria qualquer mulher apaixonada e me lembro bem: na aula seguinte ele trouxe os dois grandes volumes encadernados da revista Science com seus artigos.Corri os olhos com satisfação, afinal era um artigo científico em inglês, difícil de ler. Elogiei muito. Mesmo minha mais invejosa amiga achou aquilo muito relevante - "ele trouxe os livros para vc. ver, menina! Pasmei!!"

Haverá algum risco de ele me achar idiota? não, não e  não. Eu sou a melhor aluna da classe. Sei tudo sobre RNA e DNA e tirei total na última prova. Haverá algum risco de ele ser gay? não, não e não. Rogério aventou essa hipótese só porque gosta de mim e vê nele um concorrente superior. No intelecto, claro. Mas isso é o que importa mais.

Minha prima Rosalba que sabe de quase tudo -  já transou com pelo menos dois namorados e experimentou uma garota sueca que a hospedara em um intercâmbio,  me disse do alto de sua experiência que 'há um fascínio do professor sobre os alunos. É normal admirarmos quem nos ensina. Mas da parte dele, não espere nada'. Será? Ela não sabe tudo. Nunca amou um professor de Biologia.

Ah, meu coração! sempre te segurei com rédeas curtas. O coração é esquisito. Quer comandar. Às vezes age como um potro indomado. Sai atropelando tudo. Se não tomarmos as rédeas, atropela até a razão. Mas hoje, soltarei as rédeas, juro. Direi que o amo desde a primeira aula."

Já por três vezes Sara decidira declarar sua paixão, mas fora interrompida por eventos fortuitos. Uma vez, chegou apressado outro professor antes que ela abrisse a boca. Outra vez ele ia muito apressado para a primeira aula, não dava para se declarar num momento daqueles. E teve uma terceira tentativa em que caminharam lado a lado pelos corredores, sozinhos, mas ela perdera a coragem. Mas hoje... será hoje. 

Lembrava que o professor costumava se assentar em um banco,  próximo à sala dos professores, na alameda que liga a administração às salas de aula do térreo. Ali ele costumava ler algo, ou folhear anotações. Sara já se sentara ali esperando que ele pudesse vir até ela. Com sorte, ele estaria lá hoje, sozinho. "Vou chegar mais cedo. Estou linda hoje, de suéter branco.

Como vou dizer a ele, hein? -  professor, posso falar com você? Não, ele pode dizer que está sem tempo. Melhor ir direto ao ponto. Professor, eu preciso lhe dizer uma coisa. Mas se ele disser: diga... eu posso congelar. Não!  Vou direto com a frase toda: 'professor eu preciso lhe dizer um coisa... -  dou um pequeno espaço de dois segundos e  completo - estou apaixonada'. Bem, há  risco de ele me perguntar:  'por quem? ' ou pior, 'quem é o felizardo?' Não, não, não, isso não pode acontecer. Posso perder a coragem de completar a resposta. Melhor ser mais direta e dizer tudo de uma vez, de um só golpe:  'Professor, eu preciso lhe dizer uma coisa...estou apaixonada por você.'  Eureka! Está decidido. Agora é só treinar mais um pouco."

Sara chegou meia hora mais cedo, por volta das 18,30H de uma noite especialmente linda. Fez um lanche rápido de pão com queijo quente na chapa e foi à toalete conferir se tudo estava ok.  Estava.  Tirando a ansiedade, estava ótima. Desceu as escadas que dão para o pátio interno e divisou a alameda de bancos...lá estava o professor sentado, solitário em meio a papéis e anotações, distante, de jaleco branco, cabelos um pouco desalinhados... "oh meu Deus! Hoje,  abrirei meu coração".

E decidida, se dirigiu para lá.

FIM






quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Só Hoje



Hoje quero ser aprisionada na teia de tuas palavras e sonhar,
Sonhar por hoje preciso  para não me matar. Só por hoje.
Amanhã, eu me renderei às garras da realidade.

Conte-me uma mentira, uma mentira benfazeja
Só hoje, prometo acreditar
Garimpe palavras e me faça  um verso sem nexo
Prometo não desdenhar
Qualquer verso que engane minha dor banal
Prometo ler até o final
Mergulhe no sonho, faça-o por mera bondade
Só hoje.Amanhã, eu me renderei às garras da realidade






domingo, 27 de outubro de 2013

Conversa de cobras



Eu queria lhe falar da conversa de duas cobras. Uma era a Jurema.
Cuidado, conhece alguém com esse nome? não! ninguém.
E a outra? A outra cobra é a Filomena Maria.
Amiga, tem certeza de que realmente não conhece ninguém com esse nome???
Hum... um momento... É,  conheci uma Filomena. Nutricionista. Me lembro agora. Fez um corte de cabelo curtinho, joãozinho, 'a la garçonne' e para meu desgosto meu marido apreciou. Ele disse a ela bem sorridente e entusiasmado: "pareces uma francesinha"! Que ódio! Acho que a decapitaria...
Portanto são Jurema e Filomena as duas cobras em questão. Ponto. E não utilizarei travessões nos diálogos das duas víboras, à moda de Saramago, para não dar folga à inteligência do leitor.

Deu-se que Jurema estava em crise existencial.  À falta de um terapeuta, desabafava com a amiga.
Sabe Filomena, não vejo mais nenhuma graça naquilo que mais me atiçava a vontade de viver. Os anos me deixaram tão eficiente no bote que já não me excita mais abater uma simples presa. Estou entediada. É isso. Roedores assustados não me parecem mais um manjar apetitoso.
Simples, Jurema, você precisa de algo que desafie sua incrível capacidade, novos níveis de...
Pare. Isso está me cheirando a auto ajuda, clichês de suas postagens no Facebook!
Nada disso: eu leio Schopenhauer, Nietzsche e Kierkegaard , esqueceu? invista em algo acima de suas expectativas normais. Esqueça pequenos roedores e pássaros indefesos do seu jantar e parta para novos desafios.
Tipo?
Repare naquele humano, de terno e gravata -  acho que Armani, teclando sem parar seu iPad...isso sim, seria excitante, inocular seu doce veneno em seu calcanhar...
Interessante. Mas o problema é que a priori,  não vejo nele nenhum mal. Está imerso em sua rede virtual... me parece ser advogado, pode estar redigindo uma petição...e desde quando teclar ou usar Armani justifica um ataque, Filó?
Minha filha, é da nossa natureza atacar, se não para garantir o almoço, pelo simples prazer de ferir o próximo!
Alto lá: venho de uma estirpe de cobras politicamente corretas que só mordem para se defender de um iminente ataque ou para garantir o almoço ou um lanchinho frugal. Fora isso, somos uns amores. Muitos humanos nos amam como animais de estimação, sabia?
Quantos escrúpulos, flor! meu inesquecível Tião - ah, eu viveria por ele, com ele, debaixo dele, pela eternidade ai, ai -  costumava dizer que o prazer do ataque é inenarrável!
Grande filósofo o seu querido Tião: morreu decapitado sob uma enxada!
Não é justo que me lembres disso agora! E saiba que um filósofo não tem que viver necessariamente sob sua própria doutrina!
Ah,  não?!
Não! Um grande psicanalista infantil lançou ideias pioneiras e no entanto sabe-se hoje que ele maltratava criancinhas deficientes sob seus cuidados. E veja bem, seus conselhos virtuosos e certeiros  dão ótimos resultados no tratamento dessas crianças. Ele é seguido por todos os humanos de bom senso.
Quem é ele?
Não vou citar o nome para evitar processo por parte dos herdeiros.
Tá, mas me poupe de tanta filosofia...eu preciso de um algo mais que justifique meus atos. Não vou inocular o 'Armani' apenas porque ele tecla sem parar o tal  iPad, iPod, iPhone, seja o que for. Pelo que sei,  estas tecnologias foram criadas para aproximar os humanos na era da globalização.
Aproximar? tudo que ele fica sabendo é o que a tia fez para o almoço,  onde vai ser a balada, quem tá pegando quem e esses clichês ensinando a ser por demais feliz  no dia a dia. Ah, me poupe! Freud, um humano que tantos admiram já havia dito que "A felicidade é um problema individual. Aqui nenhum conselho é válido". Tudo inútilSeu Armani não merece ser poupado, criatura!
Hum...
E veja bem, temos um nome a zelar. Desde o Paraíso que nosso papel foi definitivamente reconhecido. Se nossos ancestrais não tivessem feito a cabeça da Eva, queridinha, não existira eu, você, Cristiano Ronaldo, nem nada!
Estou ligando os pontos, como falou o Jobs, o criador destas coisas...
Então, se não é pelo simples prazer de picar,  pelo almoço ou pela legitima defesa, que seja pelo uso abusivo do iPad!
Agora sim, amiga, você clareou as coisas. Estou empolgadíssima com este novo desafio. O Armani que me aguarde.

As cobras são mesmo muito ardilosas e têm bons argumentos... desde o princípio dos tempos.


                                   

sábado, 26 de outubro de 2013

Zé Buneco e Eu



Havia algo de delicioso nos apelidos que recebíamos na infância. Não o apelido fixo, mas aqueles momentâneos, para extravasar um sentimento qualquer contra o infeliz  apelidado. Um xingamento, na verdade.

Naquelas ocasiões, minha mãe costumava nos chamar com o nome de alguém, com o qual tínhamos alguma semelhança. Algumas destas semelhanças poderiam até  ser positivas, mas no geral, eram semelhanças que nos denegriam mais e mais... Claro, ela nos chamava pelo nome daquela pessoa, sempre em um momento de raiva, de impaciência ou desconforto com alguma travessura ou coisa assim. Nunca vinha em tom de elogio.
Quando queria ser elogiosa, poderia nos chamar de  'carneirinho", "zói de biba" ou mesmo "minhas flores", mas nunca de "comadre Fulana" ou "compadre Ciclano de tal... "

E naquele tempo ser criança era,  aos olhos de um adulto, ser um atraso de vida, um ser incompleto, um fardo querido, mas um fardo. Um trabalho danado. Quanto menor, mais desprezível. Éramos os últimos dos moicanos. Não é como hoje em que a criança é o reizinho do pedaço.

- Esse Zé Buneco ainda não foi varrer a casa?

Havia um detalhe que tornava esse apelido-xingamento ainda mais assustador: mantinha-se o gênero masculino ou feminino do apelido, independentemente do sexo da criança. - O Zé Buneco já arrumou a cozinha? E olha que eu era uma menininha...

Só mais crescidinha vim a saber porque EU era o Zé Buneco: eu dava gargalhadas como ele, sonoras, longas e certamente até fora de propósito. Achei lindo demais o paralelo e para decepção geral fiquei orgulhosa da honraria. Procurei aperfeiçoar as gargalhadas dele. Assim, mesmo que o motivo do riso já tivesse esfriado, eu o emendava, rememorava algo ainda mais engraçado e continuava a sonora gargalhada. É como quando você está chorando e aproveita para rememorar fatos idos dolorosos, encampa tudo no pensamento e aumenta o volume e a densidade  do choro, de forma a causar mais impacto no universo ou no incauto causador do nosso infortúnio.

Mas, quem era Zé Buneco? Eu me lembro vagamente desse cidadão solitário, sentado ao sol no terreiro, de chinelos e umas ceroulas brancas amarradas, meio cerca-frango,  que deixavam antever seus finos e brancos tornozelos. Dizem que ele ficou lá sentado e foi esmorecendo, esmorecendo, esmorecendo e amarelando até morrer.  Talvez de melancolia. Mas antes, era notório por dar grandes gargalhadas e ficara conhecido por adorar funerais, onde sempre havia muitas pessoas, comida, bebidas, colocava-se os assuntos em dia e ainda podia ver muitas moças bonitas, quem sabe candidatas a um matrimônio tão sonhado. Certa vez teria dito "você não foi ao funeral de fulano? ah! perdeu. Foi o melhor de todos! Eta!"
Eu não ouvi suas gargalhadas; nem sei sei se ele era alegre. Talvez fosse apenas um velhinho triste que gargalhava.

Gabriel Garcia Marques  no livro Cem Anos de Solidão, fala de uma mulher, cujo riso explosivo espantava os pombos do terreiro. Acho que a nossa era um remedo dessa gargalhada. Digo nossa, a minha e a de Zé Buneco.


Engraçado, quando cresci, me lembro que minha mãe ficava tão feliz quando me ouvia rir. Ela dizia que tudo ficava alegre. E ríamos juntas.


Foi aí que descobri que ela também sabia gargalhar igual a mim e ao meu ídolo, Zé Buneco.

Doces lembranças. Uma pitomba, pelo amor de Deus!!!



                                             Velhinho Triste - Vincent Van Gogh


Perguntas



Se pudesses adentrar meu ser
E como uma nanopartícula ou um Deus
Cada átomo, cada célula percorrer
E descobrir todos os segredos meus?

Poderias vasculhar cada inquietação de minh'alma
Ouvir cada desalinho do meu pensamento,
Conhecer minha ansiedade e minha calma
Minhas angústias e descontentamentos
Sentir a rosa e o cravo e nenhum jasmim
Me amarias ainda assim?



terça-feira, 22 de outubro de 2013

Eu vi você triste







Eu vi você triste
Não sabia que era sua última tristeza
Uma tristeza serena, de quem está em paz

Eu vi você  pensativo
Não sabia que eram seus derradeiros pensamentos
Pensamentos serenos, de quem está em paz

Eu vi você triste
E foram tantos anos alegres
Mas só me lembro de te ver triste
Era o dia de sua partida

Eu vi você partir
Para o único lugar onde não posso estar
Mas me espere,  em colinas verdejantes
Um dia vamos caminhar...


(Em memória do falecimento do meu esposo Paulo Augusto, em 22/10/2005)














sábado, 12 de outubro de 2013

Palavras



Se quero falar contigo
As palavras não me obedecem
Voam para longe de minha lógica,
Procuro-as e não as encontro;
Se as encontro, não consigo aprisioná-las
São potros selvagens zombando de mim

Contigo, as palavras fizeram um pacto
Estão ao teu inteiro dispor
Pousam em teu poema como borboletas em uma rama;
De leve, sem esforço, inda que rimando flor e dor
As palavras são tuas súditas
Ao teu comando, enviam teu beijo, teu temor ... e se calam.
Deixam no ar lembranças de um tempo que não volta mais
Breves promessas de amor, incertezas, medos... e silêncio

Quisera eu comandar as palavras
Iria ordená-las em um poema generoso
Um poema que apagaria todas as marcas
Das durezas de nossas vidas
E te faria ver teu pequeno rio
desaguando no mar...
Apenas quisera.






sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Memórias de um velho Jatobá ( A Passagem Do Tempo )


Meus frutos não são doces como os frutos da mangabeira, têm cheiro estranho, poupa empoeirada e gruda nos dentes. Um horror. O horror. Só crianças se aventuram... e poucos tiveram a audácia de tentar me escalar, ainda que fosse somente até meus primeiros galhos. Sou grande. Meu maior orgulho mesmo é ser a principal testemunha do tempo em uma velha fazenda, a Fazenda Velha,  perdida nos confins das Gerais.

Por estas bandas vi passar um escravo fugido de seus  senhores, caçado como fera, com os pés descalços em carne viva, comendo raízes amargas para matar a fome do corpo, se esgueirando para longe do cabresto buscando matar a fome de liberdade da alma. Vi os olhos impiedosos de seus caçadores. Ele tinha pepitas de diamantes em um embornal e as enterrou onde só meus olhos viram e ninguém ainda encontrou...

Vi as gentes chegarem com seus sonhos, suas enxadas e suas foices. Tinham suor no rosto, calos nas mãos e sonhos de uma vida melhor. Não sabiam que a vida seria curta e que a dor é uma companheira que não se menospreza. 

Ouvi os gritos das mulheres que pariam seus filhos de cócoras e ouvi seus risos felizes quando podiam, passado o desespero, comer uma galinha de parida e beber cachaça da boa, batom vermelho nos lábios vaidosos,  com um novo bebê embrulhadinho dormindo ao lado. É um menino? Melhor que seja. Mulheres sofrem muito. Mal sabiam que o sofrimento, depois do pó, é a mais democrática de todas as coisas do mundo: está distribuído igualmente para todos.

Ouvi o choro dos que ficaram inconformados com a partida dos entes queridos, tão cedo,  tão antes da hora.Com tantos compromissos e filhos.  Eles não entendiam ainda que a hora não seria de sua escolha e na noite escura fui testemunha de suas lágrimas.

Vi luzes no meio da noite, qual bolhas de sabão fosforescentes, várias, bailando a um metro do solo sob o abacateiro e duas meninas assustadas correrem para dentro de casa se perguntando - e se perguntam até hoje - que luzes seriam aquelas. Só eu sei, mas são segredos que não posso revelar. 

Um dia chegou o rádio e com ele os festivais. Minha gente cantava e torcia pela Banda de Chico Buarque. E podia até valsar ao som do Baile da Saudade...E ouvindo os acordes do The Animals, podiam até sonhar com a Casa do Sol Nascente em New Orleans...Tão longe e tão perto. 
Agora eles tinham um elo com todo o planeta. Sabiam também das tragédias daqui e de muito longe, de Belfast ao Vietnã,  de Israel ao balaço de Dallas que ceifou a vida do presidente bonito e ainda podiam ouvir a   música dos Beatles. 

Vi os amantes e seus amores proibidos que sob minha generosa sombra trocavam suas juras eternas, se amavam sobre a relva e se permitiam sonhar. Ouvi seus gemidos de prazer e de dor. A dor da separação.

E sob minha sombra, eu vi um grupo de músicos afinando seus instrumentos por horas a fio, enquanto todos esperavam  ansiosos pela Folia de Reis. Era um tempo claro e bonito. Havia alegria no ar e uma menina vestida de índia a dançar.

Vi crianças que temiam a noite, quando assombrações vivas e  mortas tentam entrar pelas suas janelas. E juntos, no meio da noite,  nós vimos uma alma penada toda vestida de branco que seguia lentamente com sua bengala atravessando o canavial. Era noite de lua clara. 

Eu vi uma menina fazendo seus três pedidos a uma estrela cadente. Não me pergunte quais pedidos foram. Apenas digo que ela foi em busca das respostas. Estavam nos seus livros? não sei. Havia livros e livros levam as pessoas para muitos lugares. Maldito Khalil Gibran, carregastes minha gente.

Um dia vi minha gente partir para nunca mais voltar. E se alguma vez vieram a passeio,   não os pude reconhecer; não eram os mesmos que partiram. Falavam de assuntos estranhos para mim, às vezes nem mesmo um olhar me dirigiam. As gentes são assim: não param, buscam sempre algo que está mais longe, enquanto eu, silencioso e mudo, tudo vejo sem julgamentos, apenas testemunho o passar do tempo. Porque julgamentos são para o Criador, que viu tudo desde o princípio. Quanto a mim, tenho apenas quinhentos anos e não sou juiz da minha gente.

Vi os córregos secarem. Não há mais os belos irmãos ingazeiros debruçados sobre a água, soltando seus frutos na corredeira...não há mais crianças se banhando em algazarra no poço que foi feito só para elas. É o "Poço que Ed fez" antes de partir. Não há mais o cheiro de refogado no ar, a fumaça das chaminés, o engenho na madrugada e a garapa gelada. Não há mais os piqueniques... 

Vi minhas queridas irmãs, árvores menores que eu, serem decepadas, divididas em toras para servir de móveis ou caixões para minha gente enquanto eu sobrevivi pela minha força, por ser demasiado grande. Tão grande, que seriam necessários pelo menos três homens feitos para me abraçar o tronco. Tão imponente que fui até motivo de disputa entre vizinhos. Aquela outra gente queria que a cerca fizesse uma curva, só para me incluir em sua propriedade. Isso é que não. Sempre fui fiel a minha gente, aquela que me amava e sonhava erguer sob minha sombra um túmulo para seus mortos. Quem sabe um dia os reencontro. Aqui estarei esperando ...

Hoje, do alto de meus quinhentos anos, nada pode me assombrar. Ainda posso ver as estrelas cadentes, mas não ouço nenhum pedido. E vejo a lua cheia e nenhum beijo ao luar...E a minha gente segue sonhando por esse mundão de Deus.

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(Foto: Jatobazeiro da Fazenda Velha)
by Aparecida Duque - jul/09

The Animals - House of the Rising Sun


















quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Luzes da Cidade





Ao longe as luzes da cidade
Brilhando na escuridão da noite
Nos faz um apelo urgente
"Venha, aqui mora a felicidade"

Para trás ficou um lindo céu estrelado
O barulho da fonte sobre as pedras
A serra silenciosa debruçada sobre o vale
E no ar um cheiro bom de milho assado

É o começo de uma longa viagem
No caminho pedras, cipós e ventania
Nada que possa nos deter
É tempo de muita coragem

Não ha mais medo, só saudades
De um tempo que não volta mais
E uma certeza de que bem longe,
Escondida no breu da noite
Sob um lindo céu estrelado
Repousa a tal felicidade




segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Dor



Minha amiga silenciosa
Não tem hora para chegar
amorosa, não pede licença
exigente, escolhe o lugar

Me faz um afago e sussurra
Coisas que quero esquecer
Coisas que não me aliviam
Coisas que não quero  prever

Requer minha atenção e minh'alma
Que mais posso lhe oferecer?
Lhe dou  minha alegria e meus planos
Meus projetos de bem viver

Vai se aquietando e parte
Bem de leve para não me acordar
Sozinha, uma esperança e uma certeza
Teimosa, ela vai voltar...















quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Pensamentos Caboclos (I) - José Martim


No topo das colinas a névoa branca cobre tudo de mansinho, mais e mais. E "névoa na serra é chuva na terra",  já diziam os antigos, assim como "névoa na baixa é sol que racha". São só crendices.

Na estrada sinuosa de terra vermelha, José Martim vai a passos largos cumprindo a distância de oito léguas que separa a sua choupana da pequena vila de Abadia.  Vai buscar remédios para o filho do meio que ardeu em febre durante toda a noite e não deixou ninguém dormir. De preocupações e de cuidados. Coitada da Rosário, passou a noite em claro.

É preciso apertar o passo. As pernas cansadas não ajudam, mas o tempo urge. 

Os pensamentos chegam como pássaros em revoada, alguns pousam, se abancam e não têm hora de partir. Almoçam, merendam e jantam e se deixar, dormem conosco. Moram conosco. Ficam para sempre. Outros sobrevoam, chegam a dar um cumprimento  - bom dia seu moço - e se dispersam neste mundão de Deus sem deixar vestígios. O pensar não toma jeito.

"Ah, o pensar. Deus lá em cima sabe de tudo e vigia até os pensamentos. É aí que ele tem uma aliança com os homens. Com os homens todos. Até comigo.  Mesmo eu, um simples lavrador, de alpercatas, sem direito à terra própria, sem eira nem beira, iletrado, tenho direito à solidão do meu pensamento, falado só com Deus. Mas terá Deus tempo para as pessoas mais simples, como eu que não disponho da sabedoria para entender os meandros deste mundo? Dizem que tem. Ele está em todo lugar, sabendo de tudo. O que me intriga mais é entender o começo de tudo isso. Das ruínas, das dores dos homens, do acerto de contas, do juízo final. Para que criar uma coisa torta, mandar endireitar e castigar se ela não se endireita? Não seria melhor criar logo a coisa certa, a criatura do bem? É, vai que ele só criou e deixou o homem decidir para que lado anda...sei não. Se deixou por conta do homem, no meio do caminho ele entortou, que nem fez Adão. Só se foi isso.

Estou pagando alguma coisa? Não matei nem roubei. Isso eu sei. Tive rancores... Sei de mim que os rancores que tive não vieram de graça. Foram cozinhados no fogo brando dos outros. Será então que a desgraceira dessa vida são sempre os outros? Pode até ser, mas eu não posso existir sem o outro.

Dizer que Ele distribuiu com igualdade as desgraças e a felicidade é bonito demais mas não parece fazer muito sentido quando se mira no alheio. Hã-hã. Mas de fato tem umas alegrias que Ele deixou ao largo para qualquer um. Até para mim! Que seja uma risada verdadeira, um filho descobrindo o segredo das coisas, o vento macio batendo no rosto, o corpo quente de Rosário...É... mas aquele que muito tem,  olha mais adiante, quer muito mais e não pode ver o que já tem de jeito nenhum. Que já está bom demais. Isso é que não. Mereço mais e mais,  é o que pensa o sujeito.

A Professora Altamira disse que eu penso demais e que a vida não se explica com tantos pensamentos. Que ela é simples. Que Deus fala é através das coisas todas que vemos, das borboletas, das plantas todas, das águas que correm sem cansar não sei para onde. Ela tem muita sabedoria, uma sabedoria diferente. Diferente também é a alegria das pessoas. Elas se alegram por coisas diferentes. Aquilo que é uma alegria para mim, pode não fazer sentido algum para outro. O que para mim é uma benção pode parecer para Sr. Virgílio como nada mais que uma obrigação de Deus para com ele. É assim mesmo. Minha alegria maior agora é  chegar logo à cidade, achar o farmacêutico e trazer o remédio para curar meu menino do meio. Esse é o sonho do momento.

Eu tinha sonhos, não aqueles de grandeza do meu falecido irmão que levantou voo para a cidade grande, mas sonhos de pobre, o senhor sabe, umas miudezas aqui, outras acolá. Uma casa melhor, com água na pia para a Rosário não ter que carregar balde, coisas assim. O chão de terra batida não me incomoda, está sempre fresco que a Rosário é muito asseada. Mulher de grande valor. Eu queria dizer a ela " eu te amo", como dizem as pessoas instruídas, mas isso nem combina comigo. Seria difícil demais de dizer.  Ela também não saberia ouvir isso nem nunca  me disse coisa igual. Nunquinha. Mas o compadre Ramiro já me disse que o amor não precisa ser dito, é nos gestos que está dito. Compadre Ramiro estudou até no ginásio dos padres, sabe de muitas coisas."

Na curva da estrada se aproxima uma caminhonete levantando poeira com aquele cheiro bom de gasolina e pneus. Deve ser Sr. Virgílio que ruma para além da vila de Abadia, levar os meninos para o colégio no Seminário de Cristo Jesus. " - Sobe aí atrás Seu José! Vamos economizar as pernas. Indo para onde?"

"Que sorte das grandes é a minha. Agora sim,  eu chegarei mais rápido. Meus pés cansados serão poupados, meu filho doente receberá seu remédio mais rápido e se Deus permitir vai ficar são.

Era como um sonho poder atravessar aquelas colinas empoeiradas deslizando como se estivesse no céu. Deve ser assim no céu. Deslizando de um lugar para outro sem esforço, sem cansaço, com o vento batendo no rosto, deve ser assim para todos. Carroceria de caminhonete para todos. Só que Sr. Virgílio achava natural. Mesmo a boleia. Para mim era um sonho. Eu estava indo como quem estivesse no céu."
O céu de um pobre lavrador.

sábado, 31 de agosto de 2013

Os Versos que eu não fiz

"O barro ficou marcado
 aonde a boiada passou..."




Quando ouvi estes versos pela primeira vez, me fiz uma pergunta: como não fui eu que fiz?


Quase dá para sentir o cheiro da relva fresca, da terra encharcada, do pelo molhado do gado.

O céu escuro prometendo muito mais chuva e um frescor úmido no ar. Animais alvoraçados. De vez em quando um berro tristonho de um bezerro apartado da mãe. 

Alguém joga milho no terreiro entoando "pururutiti, pururutitiiiiiii"  e como por mágica, as galinhas se aproximam. 

Laranjeiras em flor soltam um aroma adocicado no ar, mas estas flores são das abelhas. Uma majestade delas. Nem se aproxime.

A boiada é tocada para longe do curral. Em um passo lento, porque gado nunca tem pressa,  todo o rebanho vai seguindo  em direção à serra, incentivados por uma criança.

E "o barro ficou marcado
 aonde a boiada passou..."

A chuva que cai novamente enche de água os sulcos deixados pelas pegadas do gado e as crianças chamam isso de "angu com leite". É Inexplicável para um adulto. Nem tente entender. Mas para uma criança, faz todo sentido...

Algumas pessoas acreditam que tudo o que pensamos já foi pensado antes. Todos os pensamentos estão aí, no mundo das ideias, e serão captados de alguma forma por alguém devidamente preparado para recebê-los. Pois estes versos já tinham dono. 

Ai de mim.





NA
Os versos citados no topo são de Tom Jobim/Luiz Bonfá)

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A Escolha de Deus


 O Arcanjo Miguel - aquele que protege os leoninos, estava muito atribulado quando chegou até o Chefe. Ele era um pouco míope, um pouco desajeitado,  volta e meia confundia os pedidos que recebia, perdia as coordenadas e tinha medo de ser demitido. Mas era um bom sujeito.

Foi logo dizendo ao Chefe:
- Deus, é o seguinte: eu recebi um pedido da Aparecida e do Paulo Santos. Eles querem uma menininha!!

- Já a localizou entre as 800 menininhas disponíveis? traga-a a mim, me dê o papel para assinar e leve-a com cuidado!
- Pois é...aí que tá: Aparecida não me deu as coordenadas. Ela disse assim: "você vai confundir tudo  no caminho. Fale direto com Deus e ele resolve isso lá para mim! Ele conhece a minha história desde o princípio".  Vai daí que...eu não tenho as coordenadas.
- Hum...esperta ela.
- Hã?
- De fato, tenho tido umas reclamações do seu trabalho, Arcanjo. Já tem gente dizendo que você entrou aqui sem concurso, fisiologismo, essas coisas. Abre seu olho.
- Eu?
- Sim. Outro dia você entregou uma menininho comunista  para um casal de extrema direita. As reclamações depois vêm direto para mim.
-Mas é que com a iminente queda do muro de Berlin para daqui a ...
-Esqueça. Ossos do ofício. Eu resolvo isso para a  Aparecida! Ela confia mesmo em mim.

E eis que Deus apontou o dedo na direção leste, do sol nascente - claro, e um facho de luz iluminou umas cabecinhas entre as 800 menininhas que estavam disponíveis, todas muito entretidas com suas brincadeiras.
- Me traga aquela de olhos negros, da cor de jabuticaba. Rápido!
- Ah, beleza, olhos de jabuticaba. Já sei qual!
Miguel voou para lá e apontando uma menininha de vestidinho rosa e gritou:
- É esta, a Dominique, que está lendo Chapeuzinho Vermelho, certo?
- Não, abestado! mais à direita!
-Ah, claro! então é a Brigite, a de vestidinho verde, que está brincando de boneca!
- Não, criatura!  preste atenção, um pouco mais atrás
- Ah bom, entendi: é a Eloah, aquela com roupinha da Xuxa!
-Affe! quanta incompetência meu Deus (epa! sou Eu mesmo!!) será que vou ter que voar até aí?
- Hã?
-  Preste atenção Miguel: é essa aí do lado, com este vestidinho de poás, lendo Evangelion!
- Captei,  Deus!!!!!!!!!!é a Amanda!!!!!!!!!!!!!!
- Ufa! Finalmente! traga-a para minha autorização.

O Arcanjo Miguel pegou a menininha de vestidinho de poás pelas alças, que recolheu os pezinhos qual trem de pouso,  e a entregou a Deus junto a uns papeis para sua assinatura. Quando ia assinar, Deus percebeu que faltava algo:
- Cadê o carimbo Miguel?
- É que...hã...quem carimba é Rafael, mas ele está em missão na África
- Haja Deus! Tá. Eu mesmo carimbo.
- Falha nossa...mas assim que Rafael voltar...
- Ok ok ok!. Leve essa linda menininha com muito cuidado e muito amor para Minas Gerais.
- Tá.
- E fala para a Aparecida que Eu,  daqui da minha nuvem de 1000 megatons, estou de olho em tudo, zelando, protegendo, segurando a peteca, atendendo todas as solicitações, como sempre; e que Eu estarei sempre à disposição. Usei as melhores coordenadas para esta escolha. Quero um ótimo retorno deste investimento.
- Tá
- ´Tra coisa:  nada de deixar a menininha comer muito doce. Estraga os dentes. E uma das minhas coordenadas é um lindo sorriso.
- Tá. E...batata frita, pode???
- Vai logo, abestado!!!

E assim, me foi entregue uma menininha em 15 de agosto de 1987, de nome Amanda, dentro das coordenadas de Deus.







Imagem: Asuka Langley Soryu - personagem de Neon Genesis Evangelion




segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Breve Ensaio Sobre as Lágrimas

Lágrimas não deveriam ser estancadas. Elas não deveriam obedecer regras, regulamentos e coisas afins. Deveriam ser livres para sair do não manifesto para o manifesto quando bem sentir vontade...

Sim, lágrimas deveriam ter seus direitos codificados, respeitados e preservados. Elas são modestas, não reivindicam quase nada, apenas o direito de saírem livremente pela porta, quando chega uma necessidade premente de se libertar.

Lágrimas não deveriam ter que obedecer a um chefe tirano que lhes impõem normas, lhes barram a caminhada e exige passaporte e visto para sua viagem.

Lágrimas não deveriam aterrorizar os orgulhosos senhores que as mantêm prisioneiras sem poder se expressar, contar sua história, seus momentos de dor ou de felicidade intoxicante. É, esses últimos existem por mais paradoxal que possa parecer!

Os olhos, que tão bem as conhecem, sabem que há lágrimas e lágrimas.
Amargas, como as de Petra Von Kant, doces, emotivas,  doloridas, piedosas...tantas mais!

Umas são serenas, lançam um pequeno marejar e voltam humildes para o fundo da alma.

Outras são teimosas, rompem a barreira à força, te faz refém e só param quando esgotam todo o arsenal.

E há aquelas mais perigosas que são vingativas. Refreadas em sua trajetória normal, se recolhem inconformadas, passam por uma metamorfose e se instalam em outras partes do ser, levando a dor da alma para o corpo e vice-versa.

Sejam de que tipo forem, no final elas sempre vencem.

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domingo, 25 de agosto de 2013

MINAS GERAIS

Eu só queria saber
O que há detrás daquele monte
Você que o enfrentou sem esmorecer
 Por favor, me conte?

 - Criança, nada tens a temer
Comece a subida e levante sua fronte
O que verás ainda antes do entardecer
É que detrás deste, existem outros montes...
É Minas, é a vida.



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